O meu parto domiciliar

Sábado e domingo tive a certeza que estava a perder liquido amniotico. Diziam-me que não, que estava a exagerar. Que não podia ser. Tão pouca quantidade era certamente xixi.

E eu a ter a certeza que era. E a barriga a irritar-me. E a certeza que aquela gravidez estava no fim. “Mas so estás de 38 semanas, tem calma. Ainda falta.” Mas eu sabia!!!

Segunda feira resolvi marcar consulta com a minha obstetra. Não estava tranquila com o liquido que perdia – embora pouco – e isso estava a dar-me muita ansiedade.

Aguardei pacientemente até ao final do dia. Fui examinada e , confirmava-se: era liquido amniotico. Mas sem nenhuma ruptura “visivel” de bolsa. Conselho: vai pra casa. Descansa. Se possível arranja um momento só para ti. Despede-te da gravidez. Entrega-te. Vamos ver como evolui.

Sai do consultório já em lágrimas. Não conseguia segurar as emoções e nem sabia de onde elas vinham. Fui andar as voltas no quarteirão. Liguei a minha mãe e pedi-lhe que ficasse com o Simão nessa noite.

Fui lanchar. Comi tudo o que me apeteceu. O meu irmão veio ter comigo e ainda comi um gelado por cima. Ele perguntou-me “qual é a sensação de saberes que está por horas?” . Nem sabia responder …

Fiz a mala do Simão. Fui levar-lhe mas não o quis ver. Estava demasiado sensível. Voltei para casa e chorei todo o caminho.

Cheguei a casa. Apaguei as luzes. Acendi as velas. Tomei um banho longo, quente e perfumado. Chorei mais um pouco. Sempre ao som da playlist que tinha feito para o parto. A mesma que fiz para o parto do Simão e que nunca saiu da mala 🙊

Tenho uma forte memória de estar no duche a ouvir “todo o homem” do Zeca Veloso. E de chorar muito ao lembrar-me do parto do Simão e debater-me com a culpa de saber que, a partir daquele momento, lhe ia começar a falhar em tempo e disponibilidade.

Deitei-me e tivemos a nossa conversa. Disse-lhe que se estivesse pronta era hora de vir. Que esta ruptura não era grave mas podia condicionar os nossos planos. Que aceitava que ela quisesse outros planos, mas que o que tínhamos definido era o que acreditávamos ser melhor para a nossa família. Portanto se ela pudesse dar uma ajuda, seria ótimo!

O pai chegou do trabalho. Deitamo-nos num misto de ansiedade e gratidão por uma noite sossegada e sem interrupções.

Acordei as 5h. Zero indicios de estar em trabalho de parto. Fui para a sala atualizar-me sobre a guerra e pensar que tanta adrenalina não iria ajudar o processo. Comi, estive muitas horas à frente da tv – e ainda vi o José Milhazes em direto a pedir-me amizade no instagram 🙈🙊

Voltei para a cama já de manhã e instalou-se a ansiedade. Não sentia a Pilar mexer há muito tempo. Falei com uma das parteiras. Expliquei-lhe a minha ansiedade e decidimos antecipar a consulta e ctg que tinhamos para o dia seguinte.

Sentia-me cansada. Irritada. Triste. Doente. Só queria estar na cama.

Chegada à hora de me preparar para a consulta levantei-me (+- 10h30) e vi que perdia algum sangue. Mas seria normal, depois do exame do dia anterior. Mas senti também um peso, uma moinha no fundo da barriga.

Em menos de 1h estava a sair de casa e tinha a certeza que estava com contrações próximas, ritmadas e com alguma dor. Ao estacionar em frente a Uterus já estava com pouca capacidade para conversas profundas. Entrar em trabalho de parto na @uterus_saudemulher foi de um simbolismo muito grande para mim: ver todas as caras que me acolheram ao longo dos ultimos meses, saber que estava num espaço seguro onde teria o melhor cuidado, sem julgamentos, foi muito tranquilizador. E fiz, naquele momento, as pazes com o facto de parte do motivo para ter escolhido um parto domiciliar ser o receio do atendimento por parte dos profissionais. Foi importante sair de casa, na nossa experiência de parto domiciliar e saber que era só para lá que queria voltar.

Fizemos o ctg, confirmamos o óbvio, e voltamos para casa. A Joana e a Inês juntavam-se a nós assim que possivel. Seriam umas 12h. E ao entrar no carro, já não consegui ter uma conversa telefónica continua.

Lembro-me pouco da viagem ate casa. Só de ter parecido demorar horas. E de sair ainda na garagem e gatinhar até ao elevador. Entrei em casa e as coisas já atingiam níveis muito desafiadores. Corri todas as divisões na casa na ânsia de encontrar um sítio ou posição que me desse algum alivio.

Encontrei finalmente. O chão da sala (já sem tapetes que tinhamos tirado para instalar a piscina). Deitar-me no chão frio e duro foi o meu maior conforto. E ali fiquei por não sei quanto tempo até ouvir a Inês dizer-me: “tens que escolher se queres ficar ai ou se queres a piscina. As 2 não dá. “
Boa. Elas tinham chegado. Já podia deixar fluir. Mas não! A cabeça não deixava. Sentia frio e pensava “é febre. Vais ter de ir para o hospital” e contrariava com “não. É só a ocitocina”. E enquanto eu dançava entre contrações, o cérebro e a emoção, à minha volta lutavam com uma piscina, um cilindro pequeno e panelas de agua a ferver.

A escalada de dor foi indescritível. Nada ajudava. Aquela sensação de “quando achares que não aguentas mais está a acabar “ fazia zero sentido. Senti-me no limite em cada momento, para no momento seguinte experimentar um novo limite que não sabia que existia.

Senti tudo. Perfeitamente consciente que sentia tudo. Partolândia onde andavas que nunca vieste!!!

Vómitos, bolsa rebenta, dor aumenta, entro na piscina. Um misto de alívio e de relaxamento, mas com cada vez mais dor. A piscina dava a imagem perfeita: o alivio da água e a “prisão” das paredes. Sentia-me um animal enjaulado, a querer escapar daquele momento mas sem saber como. Só pensava em desistir mas não havia como desistir. Pensava muitas vezes: ja fizeste isto, caramba, porque duvidas? Mas duvidei, até ao fim.

Circulo de fogo. Finalmente! – pensei. Agora vem o expulsivo e passam as dores. Veio o expulsivo mas não passaram as dores. Senti cada milímetro do círculo de fogo. A cada ânsia de puxo era atropelada por mais uma contração imensa. Pensei, com toda a certeza, que morria.

Até que pus a mão entre as pernas e senti a cabeça da Pilar. Fiz as pazes naquele momento com a minha “cobardia” que não me permitiu faze-lo no parto do Simão. E pensei: agora não vais morrer !!!

Tinhamos ligado a playlist desta vez. Lembro-me de ouvir algumas músicas e pensar “não nasças agora que esta não é fixe”.

E entretanto tudo se precipita. Tenho que sair da piscina porque não tínhamos volume de água suficiente que tornasse o parto seguro. Até hoje não sei como galguei uma piscina com uma cabeça no meio das pernas mas ok!!!

Saltei para o sofá. O alivio. A sensação de estar na recta final. Render-me ao cansaço a saber que ainda faltava um bocadinho mais, foi um intervalo sagrado para mim. Aquilo que senti serem uns segundos de calma – em suspenso – ali entre a vida como a conhecia e a vida nova a chegar, ao som de “Todo o homem” do Zeca Veloso.

Que pelos vistos foram uns sólidos 3 minutos que provocaram algum susto a quem nos assistia.. oops 🙊

Ouvi “todo o homem precisa de uma mãe” fiz um último esforço, começa a tocar “The Greatest “ da Cat Power, e tu vens ao mundo.

No dia 1 do mês da primavera. Às 15h51. No mesmo dia em que quase 100 anos atrás nascia a minha avó , no dia em que 35 anos atrás fui baptizada , no dia em que eu e o teu pai decidimos casar, há 3 anos atrás. No dia em que sonhei que nascesses desde o início, mas tive medo de desejar em voz alta para não criar expectativas. Eras, afinal, o pilar que faltava para unir o que mais prezo na vida: as minhas origens, a minha fé e a família que estou a construir.

E nesse momento fiz as pazes com toda uma gravidez de culpa por me dedicar a tudo menos a ti, por achar que não teria espaço de qualidade para ti na minha vida, por não acreditar que o coração estica e ha sempre espaço para mais um amor.

Obrigada ao teu pai que nunca me larga a mão.
Obrigada à tua avó que soube respeitar o nosso espaço e apoiar à distância.
Obrigada à @ines8lopes e à @wabisabimulher_joanaguimaraes e à @draalexandrinamendes que nos guiaram da forma mais respeitosa possível neste nosso caminho.

Um dia falo mais em pormenor das vantagens de ter sido em casa 💛

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